segunda-feira, 30 de junho de 2014

Real faz 20 anos. Antes dele, tomate subiu 4.500% em um ano.

30.06 - 22.58hs

Na próxima semana, o real completa 20 anos. A hiperinflação chegou a 2.477,15% ao ano em 1993, de acordo com o IPCA (Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo). A título de comparação, os preços subiram 5,91% em 2013. O tomate chegou a aumentar 4.492,25% em 1993. Em 2013, seu preço subiu 14,74%. Isso significa que a inflação em 1993 foi 304 vezes maior que em 2013. Se hoje houvesse a inflação de 93, um quilo de tomate que custa R$ 6,00 passaria a R$ 275,54 em um ano.

O Plano Real começou a ser elaborado em 1993, no governo do presidente Itamar Franco (1992-94). O então ministro da Fazenda, Fernando Henrique Cardoso, criou um grupo com André Lara Resende, Edmar Bacha, Gustavo Franco, Pedro Malan e Persio Arida para desenvolver o projeto.
O país teve outros planos econômicos antes do real. Em 1986, foi lançado o Plano Cruzado, para tentar controlar a inflação, que chegava a 215% ao ano em 1985. Em seguida, vieram os planos Bresser (1987), Verão (1989), Collor I (1990) e Collor II (1991). Os planos conseguiram derrubar a hiperinflação por um curto período, mas falharam ao final. O ponto em comum desses planos foi o congelamento de preços, razão de eles terem dado errado. Como os preços não podiam subir, produtos começavam a faltar nos mercados. Os vendedores tiravam os produtos das prateleiras, pois não achavam justo o preço fixo a que eram obrigados a negociar. Nessas horas, ganhava força o mercado negro, no qual as mercadorias eram vendidas por um preço muito maior.
O Plano Real se diferenciou dos outros por introduzir medidas graduais e que foram anunciadas e esclarecidas com antecedência, de acordo com Otto Nogami, professor de economia dos programas de MBA do Insper ( Instituto de Ensino e Pesquisa). O plano foi dividido em três fases. A primeira teve como objetivo ajustar as contas públicas, cortando despesas do governo e fazendo privatizações. A segunda etapa foi à implantação da URV (Unidade Real de Valor). O último estágio foi à transformação da URV no real.
No dia em que entrou em uso, em 1º de março de 1994, 1 URV correspondia a CR$ 647,50 (cruzeiros reais). Esse valor era corrigido e anunciado pelo governo diariamente, com base na média entre três índices de inflação utilizados na época. No segundo dia em uso, o valor de 1 URV passou a CR$ 657,50. Em 1º de julho de 1994, 1 URV passou a valer R$ 1, que correspondia a CR$ 2.750.
Antes da URV, os preços subiam de forma desordenada. Nogami afirma que a inflação pode ter duas causas: quando a procura por produtos é maior que a oferta, ou quando há aumento dos custos de produção.
No caso da hiperinflação, a insegurança sobre o valor do dinheiro fazia com que os preços subissem não só baseados nessas duas causas, mas também apoiados nas expectativas da inflação futura.  "A URV acabou justamente com essa inflação de expectativas", diz Nogami.
Só no mês de junho de 1994, a inflação foi de 47,43%. No fim de julho do mesmo ano, um mês depois de o real entrar em circulação, a inflação caiu para 6,84% ao mês. Outro ponto considerado importante pelos professores entrevistados foi o uso de uma taxa de câmbio "fixa" (permitida uma pequena variação). Um real correspondia a um dólar, isso dava a ideia de uma moeda forte, valorizada. Além disso, com o dólar mais baixo, os produtos importados ficavam mais baratos, o que ajuda a combater a inflação.  Juros altos também foram um aliado no combate ao aumento de preços. O mercado acreditou que a correção de valor feita pela URV era justa e que a economia estava estabilizada.
O vendedor poderia subir indiscriminadamente o preço em URV [o governo não exigiu que os preços fossem congelados], mas ele não conseguiria vender sua mercadoria, pois, naquela altura, já estava valendo a concorrência. 
Para o professor Colistete. da USP, um erro do plano foi ter mantido o real valorizado em relação ao dólar por muito tempo. Algumas indústrias como a têxtil e a calçadista, que dependiam muito do preço para poder vender, quebraram, devido à forte concorrência dos produtos importados gerada pelo dólar baixo.
"Embora o real valorizado tenha sido essencial para o sucesso do plano, não houve um planejamento para que nossa moeda voltasse a se desvalorizar de uma maneira gradual", diz Colistete. 
Em 1999, o câmbio passou a ser flutuante (o preço do dólar varia de acordo com a procura e a oferta). Com essa mudança, o dólar saltou de R$ 1,21 (dezembro de 1998) a R$ 2,06 em fevereiro de 1999. "Na época, muitos acreditavam que isso poderia pôr o plano a perder", diz o professor.
Para Otto Nogami, o plano poderia ter tido ainda mais sucesso se os investimentos tivessem sido mais estimulados já na primeira fase do projeto. "O governo podia ter utilizado melhor o BNDES [Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social] para incentivar investimentos que seriam fundamentais no processo de ajuste da economia. Melhorar os portos, estradas. O governo esqueceu o setor energético".

Na mesma linha, o professor da FGV (Fundação Getulio Vargas) Samy Dana acredita que o governo poderia ter incentivado investimentos para aumentar a produtividade. Dana diz que os juros altos, além de terem aumentado o custo da dívida pública, tornavam o crédito para as empresas muito caro. O professor acredita que o governo poderia ter oferecido linhas de crédito mais baratas para o consumidor e para empresas, principalmente para o setor de infraestrutura. Isso poderia ser feito, dentre outras maneiras, incentivando a concorrência por meio de taxas mais baixas de juros oferecidas pelos bancos públicos, como a Caixa Econômica Federal. "O plano conseguiu estabilizar a inflação, mas não gerou crescimento", diz Dana. 

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